INTERTEXTUALIDADE

A história de Chapeuzinho Vermelho, de autoria de Charles Perrault, é um conto muito conhecido. Pela sua importância para a literatura infantil, muitos autores recontaram essa história, produzindo novos e diferentes significados.

TEXTO 1:

CHAPEUZINHO VERMELHO DE RAIVA

Personagens: Chapeuzinho Vermelho e a vovozinha

VOVOZINHA ESTÁ DEITADA, DEBAIXO DE UMAS COBERTAS, QUANDO ENTRA A CHAPEUZINHO:

VOVOZINHA – Senta aqui mais perto, Chapeuzinho. Fica mais pertinho da vovó, fica.

CHAPEUZINHO – (aproximando-se da vovó) – Mas, vovó, que olho vermelho... e grandão. Que que houve ?

VOVOZINHA – Ah, minha netinha, meus olhos estão assim de tanto olhar para você. Aliás, está queimada, hein?

CHAPEUZINHO – Guarujá, vovó. Fui pra lá no fim de semana. Vovó, a senhora está com um nariz tão grande, mas tão grande. Tá tão esquisito, vovó.

VOVOZINHA – Ora, Chapéu, é a poluição. Desde que começou a industrialização no bosque, está um horror. Fico respirando o dia todo este ar poluído. Chegue mais perto, minha netinha.

CHAPEUZINHO – É, vovó, mas em compensação, antes eu levava duas horas para vir de casa até aqui e agora, com a estrada asfaltada, eu venho com minha moto e levo só quinze minutos.

VOVOZINHA – Pois é, minha filha. E o que tem aí nesta cesta enorme?

CHAPEUZINHO – Puxa, já ia me esquecendo. A mamãe mandou margarina, Hellmans, Danone de frutas e umas sopas Knorr.

VOVOZINHA (lambendo os lábios) – Hum...

CHAPEUZINHO – (meio sem jeito) – Vovó, não querendo ser chata...

VOVOZINHA – Ora, diga.

CHAPEUZINHO – As orelhas. A orelha da senhora está tão grande e ainda por cima peluda. Credo, vovó!

VOVOZINHA – Ah, mas a culpada é você. São estes discos malucos que você me deu. Onde já se viu fazer música desse tipo? Você me desculpe, porque foi você que me deu, mas é só barulheira. Não há ouvido que aguente.

CHAPEUZINHO – Ah, vovó... Bem, mas o seu cabelo está um barato, hein? Todo desfiado para cima, encaracolado. Que que é isso ?

VOVOZINHA – Ora, também tenho que entrar na moda, né, minha netinha? Ou você queria que eu fosse domingo ao programa do Sílvio Santos de coque e com vestido preto de bolinhas brancas?

CHAPEUZINHO – (assustada, dá um pulo para trás) – E esta boca imensa?

VOVOZINHA – (brava, salta da cama, com as mãos na cintura) Escuta aqui, queridinha: você veio aqui hoje para me criticar, é?!


PRATA, Mário. Chapeuzinho Vermelho de raiva. Disponível em: Acesso em: 07 mar. 07.

TEXTO 2:

FITA-VERDE NO CABELO (NOVA VELHA HISTÓRIA)

Havia uma aldeia em algum lugar nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, e meninos e meninas que nasciam e cresciam. Todos com juízo, suficientemente, menos uma meninazinha, a que por enquanto. Aquela, um dia, saiu de lá, com uma fita verde inventada no cabelo.

Sua mãe mandara-a, com um cesto e um pote, à avó, que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia. Fita-Verde partiu, sobre logo, ela a linda, tudo era uma vez. O pote continha um doce em calda, e o cesto estava vazio, que para buscar framboesas.

Daí, que indo, no atravessar o bosque, viu só os lenhadores que por lá lenhavam, mas o lobo nenhum, desconhecido, nem peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo. Então, ela mesma era quem se dizia “Vou à vovó, com cesto e pote, e a fita verde no cabelo, o tanto que a mamãe me mandou”. A aldeia e a casa esperando-a acolá, depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente vê que não são.

E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo, e não o outro, encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra, também vindo-lhe correndo, em pós. Divertia-se com ver as avelãs do chão não voarem, com inalcançar essas borboletas nunca em buquê nem em botão, e com ignorar se cada uma em seu lugar as plebéinhas flores, princesinhas e incomuns, quando a gente tanto por elas passa. Vinha sobejadamente.

Demorou, para dar com a avó em casa, que assim lhe respondeu, quando ela, toque, toque bateu:

– Quem é?

– Sou eu... – e a Fita-Verde descansou a voz – Sou sua linda netinha, com cesto e pote, com fita verde no cabelo, que a mamãe me mandou.

Vai, a avó, difícil, disse: “Puxa o ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus te abençoe.”

Fita-Verde assim fez, e entrou e olhou.

A avó estava na cama, rebuçada e só. Devia, para falar agagado e fraco e rouco, assim, de ter apanhado um ruim defluxo. Dizendo: “Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto de mim, enquanto é tempo.”

Mas agora Fita-Verde se espantava, além de entristecer-se de ver que perdera em caminho sua grande fita verde no cabelo atada; e estava suada, com enorme fome de almoço. Ela perguntou:

– Vovozinha, que braços tão magros, os seus, e que mãos tão trementes!

– É porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha neta... – a avó murmurou.

– Vovozinha, mas que lábios, aí, tão arroxeados!

– É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta... – a avó suspirou.

– Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado, pálido?

– É porque já não te estou vendo, nunca mais, minha netinha... – a avó ainda gemeu.

Fita-Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez.

Gritou: – Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!...

Mas a avó não estava mais lá, sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino corpo.

ROSA, João Guimarães. Fita-verde no cabelo: nova velha história. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1992.

TEXTO 3:

CHAPEUZINHO AMARELO

Era a Chapeuzinho Amarelo.

Amarelada de medo.

Tinha medo de tudo, aquela Chapeuzinho.

Já não ria.

Em festa, não aparecia.

Não subia escada, nem descia.

Não estava resfriada, mas tossia.

Ouvia conto de fada, e estremecia.

Não brincava mais de nada, nem de amarelinha.

Tinha medo de trovão.

Minhoca, pra ela, era cobra.

E nunca apanhava sol, porque tinha medo da sombra.

Não ia pra fora pra não se sujar.

Não tomava sopa pra não ensopar.

Não tomava banho pra não descolar.

Não falava nada pra não engasgar.

Não ficava em pé com medo de cair.

Então vivia parada, deitada, mas sem dormir, com medo de pesadelo.

Era a Chapeuzinho Amarelo...

BUARQUE, Chico. Chapeuzinho Amarelo. Rio de Janeiro: Berlendis & Vertecchia Editores.


Algumas considerações importantes!


1. A versão recontada por Mário Prata, em Chapeuzinho Vermelho de Raiva, foi escrita na forma de um roteiro para teatro.
 

2. Na versão, Chapeuzinho Amarelo, Chico Buarque escolheu recontar a história em forma de versos.
 

3. A forma do texto escrito por Guimarães Rosa é muito parecida com a do conto original: inicia com o narrador descrevendo onde a história acontece; quais são os personagens; o que a mãe pede à filha; o que a menina leva para a avó; o caminho que ela percorre até chegar ao seu destino; e, finalmente, a conversa entre a neta e a avó.
 

4. As três versões lidas não foram recontadas da mesma forma que o texto original.